Mentira


Pessoas estranhas arrancam as etiquetas de preço de cada DVD, CD, livro e revista que compram. Não há etiqueta num produto adquirido no meio digital, há? Eu sou uma pessoa estranha. Contesto o que a indústria tem dito nos últimos anos, pois a verdadeira revolução artística de nosso tempo ainda não se dá pelas mãos de artistas (não o bastante)...essa busca pela exata classificação de cada indivíduo nunca nos fez bem.
Eu sou o artist, o manager, o middle man, o producer, o label, o performer, o go-getter...aprendi tantos termos na faculdade que nada resta senão autenticar o anglicismo em minha música. Eu poderia ser o garoto africano rimando a vida de Madiba num gueto de Johannesburg, ou o jogador de basquete aspirante de alguma universidade norte-americana...existem diversos cenários possíveis, eu apenas lido com cada um deles conforme a vontade dos dias.
Semana retrasada comprei dois excelentes discos de rap. Um deles feito por um MC que me acompanha desde os tempos de cursinho; outro de um MC que fala e explica muito do mundo que muda na mesma velocidade que as lembranças do povo se esvaem. Eu tenho prazer em fazê-lo. Muito prazer. Recebi R$92,00 por mixtapes que havia deixado em uma loja de skate do centro da cidade...gastei R$85,00 nos CDs...visito blogs e blogs que disponibilizam discos inteiros por dinheiro nenhum, inclusive os meus. Isso é necessário, não tenho dúvida. Só questiono o que será do "artista", que num ótimo contrato, recebe cerca de R$0,80 por disco vendido? Ou R$0,30 por um mp3 vendido numa das poucas lojas virtuais de nosso país?
Há quem diga que os discos de hoje são meros cartões de visita, catalisadores de oportunidades na vida de um artista, mas eu realmente não sei. Talvez numa outra cena, num outro país. Quando se paga do bolso processos de masterização internacional, videoclipes e preza-se tanto pela qualidade sonora, outras questões surgem. A fina linha entre o prazer de fazer arte pela arte e pagar contas se dissipa.
Eu realmente me importo com o que faço no estúdio, ouço em casa, discuto com amigos...quando Nassir disse, mesmo que pelo valor de choque do feito, que o Hip-Hop havia morrido, eu não tentei contestar, tentei entender. Penso que a maioria esmagadora dos ouvintes já se acostumou com as baixas taxas de amostragem dos MP3s que circulam pela rede. Penso que o rap é o mais antropofágico dos gêneros musicais. Se reinventa, mesmo que ninguém entenda. Se odeia e se ama, se contempla e se engana com a mesma facilidade que faz milhões e gasta tudo com os sonhos de consumo que não fariam sentido no começo de tudo....slave to a label, but I own my masters! (escravo de uma gravadora, mas sou dono das minhas gravações).
Há quem diga que o rap ficou chato quando rappers passaram a usar o desejo de integração com o mundo corporativo como combustível para suas criações, mas eu não sei. O skatista em mim pede pra que eu seja dono do que faço, nem vou puxar o cartão étnico do bolso. Não preciso disso, mas é fácil entender do que falo mesmo quando não falo, certo?
Eu falo de muita coisa e não termino. É preciso bom senso pra buscar solução para o que digo, mas eu não levaria isso tão seriamente. Mentira.

Talib Kweli
Pharoahe Monch

6 comments:

Anonymous said...

Mano, tão pirateando seus discos aqui em Ibaté.

Anonymous said...

Te vi no Vmb. No telefone na televisão, que feio.

Anonymous said...

Fábio,

Foi tudo muito prolixo, mas no final deu pra entender a jogada. Essa rotina do mercado fonográfico parece-me dar a sensação de liberdade ao artista,(Mas só a sensação). A teia que parece estar sendo controlada pelo músico, acaba sempre te deixando em conflito e prezo.

A verdade é que vc poderia dar mil motivos do "por que as coisas são assim", mas eu te dou um só:
A maior parte dos seres humanos estão corrompidos e a parte que não está tende a se corromper.

Abraço e não desanima não
Tem muita gente que precisa do seu som.
Good Job

Rafa.

Anonymous said...

eu arranco cuidadosamente (contradição?) as etiquetas das capas e colo em algum lugar no interior das revistas ou das caixas de cds, ou do livro...

/mau said...

O Mercado só reflete a situação do País.

Parteum said...

Ou a situação da educação de quem vive aqui?